O juiz Alberto Anderson Filho, presidente da 1ª Vara do Júri de São Paulo, afastou em setembro um Oficial de Justiça, após o funcionário requisitar diversas vezes, de modo formal, garantias de segurança pouco usuais para cumprir mandados de prisão. Entre os itens, além do apoio policial, constavam máscaras do tipo ninja, colete à prova de balas e gás pimenta. Afastado por 90 dias, Alexandre Tullii, de 44 anos, responde a processo administrativo, acusado de “grave insubordinação”, mas mantém a posição: diz que, sobretudo em favelas e áreas controladas pelo crime, não há como cumprir mandados de prisão sem arriscar a vida.
Por norma de serviço do Tribunal de Justiça (TJ), se a pessoa procurada não for presa em 30 dias pela polícia, o juiz pode expedir novo mandado de prisão para cumprimento pelo oficial, que pode pedir apoio policial. Atualmente, segundo a Associação dos Oficiais de Justiça de São Paulo, há no Estado cerca de 150 mil mandados de prisão abertos, sem cumprimento, com pelo menos 50 mil pessoas consideradas foragidas. Já a Secretaria de Segurança Pública não respondeu aos questionamentos solicitando o número de procurados pela Justiça.
“Fui punido porque questionei o cumprimento de uma missão que nós, oficiais, não temos como fazer. Pedi esses esclarecimentos até para provocar uma solução, questionar o que está aí, que não funciona. Pode perguntar: sempre fui um bom oficial”, defende-se Tullii, que chegou a conseguir uma decisão favorável da juíza da 1ª Vara do Júri, Michelle Cunha, para seus pedidos de touca “ninja” e colete. A magistrada negou “só” o gás pimenta. A decisão foi indeferida posteriormente pelo juiz Alberto Anderson Filho. “Cheguei a percorrer três distritos com um homem, na Páscoa, para que ele fosse preso. A cooperação até o ajudou no processo. Mas isso é raridade.”
No Fórum Criminal da Barra Funda, o afastamento do oficial de Justiça causou controvérsia sobre o cumprimento ou não de mandados de prisão por oficiais. “Expeço os mandados de prisão para que sejam cumpridos tanto pelo oficial como pela polícia, pela Divisão de Capturas. O que observo, na prática, com os oficiais que trabalham comigo, é que eles não têm como cumprir: chegam sozinho, desarmados, sem colete e sem algemas. Uso o bom senso. Se não for possível, peço para justificar por escrito”, diz Airton Vieira, juiz titular da 4ª Vara Criminal da Barra Funda. “Um oficial convidou uma pessoa para entrar no carro dele, parou na frente do distrito e disse que ela estava presa. Parece brincadeira, mas foi dessa forma que um oficial dessa vara prendeu uma pessoa”, relata o magistrado.
Juiz diz que servidor não cumpriu ordens judiciais.
No processo administrativo existem 97 mandados devolvidos pelo oficialO juiz Alberto Anderson Filho, presidente da 1ª Vara do Júri da capital, afirma que o oficial de Justiça Alexandre Tullii foi afastado porque ficou três meses sem cumprir determinações dos juízes da vara. No processo administrativo, são listados 97 mandados devolvidos pelo servidor.
“É o único oficial que conheço que tomou essa atitude e me parece que é um deboche contra a Justiça”, afirmou o juiz. “Houve o descumprimento de outros mandados também. Mas, acima de tudo, foi a forma acintosa de falar, de pedir uma estupidez dessa. Ele teve oportunidade inúmeras vezes de parar porque ele ficou uns três meses fazendo isso. A gente tem de respeitar a lei. Não está satisfeito? Pede, reivindica, fala, mas não dessa forma”, afirma.
Anderson Filho não quis comentar o processo administrativo, transferido para o Fórum Cível de Pinheiros, na zona oeste, juntamente com o oficial Alexandre Tullii, que ainda está afastado. “Ele foi recolocado numa vara cível, o que é mais compatível com a personalidade dele”, afirmou o juiz. “Se ele achasse que não deveria cumprir aquilo, não tinha de pedir touca e gás pimenta para fazer. Chegasse e dissesse que não tinha essa obrigação e pronto. O problema é o seguinte: o senhor aceitaria uma intimação de alguém que viesse com máscara?”
Sobre a atuação anterior do oficial de Justiça afastado, que cumpria a função desde fevereiro de 2000 sem falta disciplinar, o juiz da 1ª Vara do Júri faz elogios. “Pouco tempo antes, tem mandado dizendo que procurou e não localizou a pessoa. Ou seja, ele fazia de um jeito e, de repente, parou, mudou de idéia. Era um ótimo funcionário, um homem que eu prezava. Só que virou a cabeça e, para mim, não serve. Não quero ele como meu funcionário e isso tenho direito de escolher.” Em seis anos à frente da 1ª Vara, Anderson Filho ganhou notoriedade ao conduzir o julgamento de Suzane von Richthofen, condenada por tramar a morte dos pais.
Associação diz que pedido não é exagero
Colega do oficial porta algemas após ser agredido por jovem.
Aylton Bekes Cezar tem 53 anos e trabalha como oficial de Justiça desde o início dos anos 1980. Como garantia de segurança, carrega um par de algemas para apreender os menores infratores nas missões que recebe dos juízes da Vara da Infância e da Juventude.
A necessidade das algemas – em tese, ele não deveria portá-las – é reforçada por uma experiência traumática ocorrida no ano passado. Agredido por um jovem a quem foi apreender para internação na Fundação Casa (antiga Febem), Cezar foi agredido, fraturou o braço, teve deslocamento da retina e lesões em outras áreas do olho direito, que agora tem apenas 10% da visão.
“Fui cumprir um mandado de apreensão do menor em uma unidade de liberdade assistida. Sozinho, falei com a assistente social, mas o menor foi agressivo. Tentei algemar e vieram outros dois menores. Me empurraram. Fraturei o braço e bati a cabeça, bem perto do olho, numa mesa de mármore”, relembra o oficial de justiça.
Cezar processa o Estado. Quer uma indenização reparatória dos danos sofridos. “Fiquei um bom tempo vendo raios luminosos. Já fiz duas cirurgias no olho, mas ainda não está bom. Vou para a terceira.”
Vice-presidente da Associação dos Oficiais de Justiça do Estado de São Paulo (Aojesp), Cezar não vê exagero nos pedidos que determinaram o afastamento do colega de profissão da 1ª Vara do Júri. E cita as algemas que carrega consigo no carro como exemplo da necessidade de se proteger no dia-a-dia.
“Tenho autorização verbal do juiz para usar as algemas. Mesmo trabalhando só com menores, é difícil convencê-los a virem com a gente. Em alguns lugares de São Paulo, a gente nem entra”, afirma. “É difícil para todo oficial levar alguém preso e depois voltar para a mesma comunidade para cumprir um mandado. Por isso, pedir touca ninja não é exagero”, diz, em solidariedade ao colega afastado.
Juiz interpreta norma de maneira diversa
Em outubro, o juiz Davi Capelatto, do Departamento de Inquéritos Policiais, teve outro entendimento da norma do TJ (que diz que se um procurado não for preso em 30 dias pela polícia, o juiz pode expedir novo mandado de prisão para um oficial, que pode pedir apoio policial). Quando por falta de comunicação a PF liberou um preso, o juiz argumentou que estava “proibido” de entregar aos oficiais os mandados de prisão.
ENTENDA O CASO
O que o oficial de Justiça pediu:
Em diversos mandados de prisão expedidos por juízes da 1.ª Vara do Júri da capital, o oficial de Justiça Alexandre Tullii passou a pedir, além de acompanhamento policial, itens de segurança para o cumprimento desses mandados, como colete à prova de balas, gás pimenta e máscara “ninja”. O oficial alegava que não havia segurança para cumprir as ordens sem pôr a vida em risco. Esses pedidos têm início no final de maio
Pedido deferido:
Em um dos casos, a então juíza da 1.ª Vara do Júri, Michelle Porto de Medeiros Cunha, defere o pedido do oficial de Justiça, menos o gás pimenta. O despacho é de 2 de junho. Duas semanas depois, o caso é encaminhado ao juiz corregedor da 1.ª Vara do Júri, Alberto Anderson Filho, que fica sabendo do deferimento e dos pedidos do oficial.
Só concurso policial:
Em outro mandado de prisão, o juiz autoriza a participação de um agente policial, indeferindo os demais pedidos do oficial de Justiça. Tullii então entra com recurso pedindo esclarecimentos ao juiz corregedor. Diz que “se vê quase que induzido” a participar de “uma grande farsa orquestrada, ao que tudo indica, pela própria administração pública”. Depois, justificaria dizendo que os oficiais de Justiça são ameaçados nas favelas e que não têm condições de cumprir mandados de prisão. Cita um colega que foi rendido em Heliópolis.
FONTE: JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO.
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